Apoena Dandara Silva Santos – Mestranda em Ensino e Relações Étnico Raciais pela UFSB-Universidade Federal do Sul da Bahia, bacharela indisciplinar em Humanidades pela UFBA-Universidade Federal da Bahia e graduanda em Direito pela UFBA
Três mil e seiscentos mortos e um habeas corpus por constrangimento ilegal, a quem o Direito serve!? Protege vidas ou propriedades!? Acredito que não seja a mim e nem a você, caro leitor!
Poderia ser uma piada de péssimo gosto, ou apenas mais uma fake news, porém no dia ao qual o Brasil atingiu a triste marca de 3.600 mortos, foi também o dia que na colônia chamada Itabuna, uma cidadezinha no sul baiano, teve um juiz que expediu um habeas corpus, a alguns cidadãos colonizados com mentalidade de colonizadores o direito previsto no artigo 5.º da Constituição Federal do Brasil, no seu inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ora, lhes pergunto quem em plena pandemia (há um ano), acredita que medidas restritivas ferem o seu direito com base o artigo 146 do Código Penal: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”!?
A essa altura do campeonato, caro leitor, já deveríamos ter aprendido que constrangimento é notar que o outro não utiliza máscara em local público, nos estabelecimentos não possuem álcool 70º, e as pessoas não estarem cumprindo o distanciamento social, medidas essas que todos os dias a OMS-Organização Mundial da Saúde nos recomenda e nossos munícipes ignoram, da mesma forma que alguns governantes o ignora. Já passamos da marca de trezentos mil mortos no país e ainda não foi suficiente para que as pessoas se humanizassem.
Relembrando as histórias do Brasil-colônia e rememorando que nós já fomos uma capitania, o que mudou na mentalidade da sociedade de lá para cá? Se analisamos todas as características que uma colônia necessita ter, para ser bem sucedida, como uma cidade explorada, com pessoas desvalorizadas e o poder concentrado nas mãos de poucos. Nós fomos bem sucedidos! E a prova disso, é a capacidade de alguns solicitarem um habeas corpus para circular em uma cidade que vive uma pandemia que já matou e ainda mata todos os dias milhares de pessoas no Brasil, é comprovar que estamos muito longe de um processo que possamos compreender qual é o lugar dos nossos corpos nesta cidade e criar novas narrativas e formatos de vida pública. Talvez a partir desse redesenhamento social, possamos deixar de ter uma cidade fracassada e sejamos também cidadãos que deram certo!